Em 1967, era assim a Foz Palheiros,
vista do lado da Tapada do Pizão. É a minha mãe na foto, a Adelaide da
Munha, nome com que me habituei a apresentar-me: "sou filha da Adelaide
da Munha" garantia-me a identificação instantânea de quem se intrigava
comigo.
Ela passava para o Vale das Colmeias, fazenda que tratava, enquanto
outras lavavam na ribeira. Os miúdos passeavam entre brincadeiras e tarefas hoje consideradas demasiado para crianças, mas que eram feitas com orgulho de quem conta para a família.
"Encosta-te aí para te tirar uma fotografia" disseram as primas, sobrinhas do Ti Manel Zé (parece que filhas do António). Moravam em Lisboa (em Castelo Picão?) e a minha mãe conheceu-as nesse dia. Ou pelo menos é assim que eu me lembro da história. E ela lá se encostou à ponte, sem jeito, a pensar em como o seu avental de peitilho iria ficar mal na fotografia pelo trabalho que já carregava. E nem sorriu, com a vergonha natural de quem é humilde e pensa no trabalho que a chama, mas tem de dar atenção às primas de Lisboa. Era assim, com 22 anos. Pouco depois também estaria em Lisboa.
"Encosta-te aí para te tirar uma fotografia" disseram as primas, sobrinhas do Ti Manel Zé (parece que filhas do António). Moravam em Lisboa (em Castelo Picão?) e a minha mãe conheceu-as nesse dia. Ou pelo menos é assim que eu me lembro da história. E ela lá se encostou à ponte, sem jeito, a pensar em como o seu avental de peitilho iria ficar mal na fotografia pelo trabalho que já carregava. E nem sorriu, com a vergonha natural de quem é humilde e pensa no trabalho que a chama, mas tem de dar atenção às primas de Lisboa. Era assim, com 22 anos. Pouco depois também estaria em Lisboa.
A Ribeira do Sinhel acompanha as aldeias que descem a serra quando saímos da Nacional 2 na Portela do Casal Novo. Acompanhava a vida das terras, abastecendo cântaros para refrescar corpo e alma cansados do duro trabalho do campo. Servindo para lavar roupa e trocar desencantos maduros ou sonhos de meninas, lavados com sabão azul e branco, batidos na pedra lavadoira e deixados a corar em cima das moiteiras para o alvor da lixívia que não existia. Mergulhada em Abril pelos que queriam saber nadar, ou no pico do Verão por uma moça mais atrevida desejando não ser apanhada.
A Ribeira do Sinhel também acompanhou a morte da população das aldeias, que o minério não poupou peixes e homens, gerando terras de luto, cobertas do negro dos lenços e roupas que trabalhavam os campos com os filhos nas cestas, sozinhas de companheiros para um futuro que tinham sonhado a dois.
A Ribeira do Sinhel escavou rochas, construiu Poços, moldou beleza por onde correu e corre, apressada e cheia de Inverno, tímida e fresca de Verão.Viu namoros e zangas, perigos e alegrias, ouviu queixas e choros, pensou vidas e mortes e vidas depois das partidas. A Ribeira do Sinhel, a nossa ribeira, criou as pessoas e ensinou-as, ajudou-as também a serem o que são hoje. Faz parte da terra, da nossa terra, de nós, mesmo dos que já nascemos fora de lá.
Na Roda Fundeira, à entrada da aldeia, a Ribeira do Sinhel chama-se Foz Palheiros. Ninguém sabe muito bem porquê, mas é assim à beira da Tapada do Pizão. Noutros lugares, outros nomes, o mesmo encanto e o mesmo sabor nas recordações. Era assim em 1967, tal como a minha mãe. Já foi de muitas maneiras desde então, mas continua igual na água: límpida, fria, acolhedora, pura. Continua nossa. E será sempre assim, enquanto quisermos e continuarmos a dar-lhe a nossa história e a levarmos lá os que nos são especiais. Como ela.
Um abraço.
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