quarta-feira, 24 de julho de 2013

Lá se foi o Santiago...


Lá se foi o Santiago... E a voz dele assumiu, com simplicidade, a tristeza que o rosto dela tentava disfarçar.

Sentavam-se naquela rocha como em muitos dias antes e alguns depois daquele. Partilhavam a arte de pastor há muitos anos dos poucos das suas vidas. Não podiam chamar-se amigos, porque os tempos não o permitiam, mas cresceram a brincar juntos. E por isso ele sabia que o Santiago lhe fugia todos os anos.

Em Julho, o verde daquela calçada do Vale das Colmeias trazia a boa-nova da arca cheia, da broa garantida. Mas, a 24, trazia também à minha mãe a desilusão de trocar novamente a romaria pelo trabalho do campo. Aquela era a data em que, saído de nenhures, um vento vespertino visitava a dita calçada para festejar o vigor do verde milho... e derrubá-lo todo à sua passagem.

As pequenas maçãs amarelas, as maçãs do Santiago, ficariam por provar, novamente. As razões entre Amieiros e Mestras seriam tiradas sem que as pudesse avaliar, se naquele ano lhe aprouvesse. O bailarico seguiria, imperturbável pela sua ausência anual, costume mantido pela visita pontual do vento, sempre na véspera do dia da Festa do Santiago.

Ó minha mãe, ela diria ao chegar a casa, o milho da calçada ficou todo no chão. E, no lusco-fusco da hora tardia, ouviria a resposta já antecipada dos anos anteriores, ora... então amanhã temos de lá ir levantar o milho. Com os anos, foi-se resignado ao cereal derrubado e conformando com as alegrias contadas por quem ia.

Mas desta vez não iria haver desculpa. Engoliu o nó da garganta e decidiu-se a derramar pinheiros para especar o milho. Ó minha mãe, ela diria ao chegar a casa, o milho da calçada ficou todo no chão. E, no lusco-fusco da hora tardia, ela iria ainda acrescentar mas já o espequei! E talvez depois até fosse capaz de dizer e amanhã,vamos a que horas

Naquele ano, ela conseguiu ir ao Santiago... e foi já lá, na roda do fado, ao som da concertina que alguém levou, que foi capaz de se rir com o destino do milho, ditado anualmente pelo vento agendado para aquele dia.


Um Abraço.
PS - a minha mãe foi ao Santiago mais vezes. Mas algumas vezes a minha avó Emília escolhia colocar os carvalheiros no milho em vez de ir à festa... e isso ficou-lhe.

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