
Conheço a Ti Prazeres da Eira desde sempre. Ela também a mim. Um dia disse-me: "Será que tu ainda vais ser minha neta?". E eu sorri. Entendíamo-nos. Discordávamos num mundo de diferenças de vida e de tempos, mas sabíamos onde parar. Ela, geralmente depois de eu lhe dizer, pois não se inibia nas suas opiniões aguçadas, de quem tem o direito ganho pela vida. Construiu-a a pulso.
Vestiu o luto quando a filha mais nova tinha 14 anos e o mais velho estava na guerra. Acabou a casa e fez a sua vida refugiada nas austeras proibições de uma rigidez auto-imposta, que aparentemente lhe garantia a segurança de um destino que não a garantiu. Aos meus olhos, viveu mais triste do que podia, com uma amargura presente, mesmo nos momentos felizes. O lenço em rosas cinzentas que se permitia nos últimos anos falava mais do amor dos filhos e dos netos, que do peso que nunca deixou de por nos gestos diários. Mesmo quando se ria de nós e das nossas ideias descabidas. A seu ver, claro.
Ganhei dela uma visão do mundo e da vida que não tenho. Recordo momentos de uma época mais fácil, em que os netos teimavam em lhe encher a casa de gente para comer as filhoses com mel que, sem facilmente admitir, gostava de fazer. Tento passar as duas aos meus filhos, porque somos feitos do que os nossos já aprenderam e do que conseguimos daí construir. É a minha opinião. Do alto dos valores que acalento, no direito que já conquistei neste curto espaço de vida, que nas despedidas me parece mais longo. Espero nunca me tornar tão rígida. O tempo o dirá. Ou mesmo ela, se um dia nos voltarmos a encontrar.
Será rezada a missa de 7º dia, na Igreja da Ameixoeira, dia 28/10, pelas 19h00.
Um abraço.