
Eu fui aos treinos com ela. Do outro lado do balde das batatas já lavadas da terra branca ou negra, sentada num naqueles bancos de madeira de 20cm, óptimos para a lareira, tentei aprender a cascar batatas. Ofereci-lhes gargalhadas pela minha falta de jeito inicial, e percebi finalmente a lâmina arredondada pelos anos das facas da aldeia. Aprendi a arte de cascar batatas e foi com orgulho que exibi a primeira pele sem grama de batata aos olhos incrédulos da minha mãe, a quem o tempo exigia antes o desembaraço. Foi divertido, como em tudo nas crianças, até ao dia em que percebi que tinha passado a ser assumida como garantida a minha ajuda. Consegui, também com a arte das crianças, remeter a minha preciosa prestação apenas para a azáfama dos dias de festa. Nesses, também gostava de ajudar a espetar as cebolas e batatas pequenas nos arames em que assavam no forno, entre tabuleiros de lombo e a broa, os bolos de carne e cebola. E depois punha a mesa e desencantava bancos e cadeiras para receber a família que víamos duas vezes por ano, mas de que sentíamos verdadeira falta caso não estivesse. Foi raro.
A minha avó também passajava as calças do meu avô António. Com uma paciência infinda e pontos curtos e invisíveis aos olhos mais atentos, a minha avó fazia renascer as calças com que ele guardava o gado. Sem remendos, sem costuras, sem ar andrajoso. Ensinou-me que a má figura do marido também é vergonha da mulher, que não sabe cuidar dele. O "também", para mim, fazia toda a diferença. A minha avó orgulhava-se do seu homem, que a tratou por cachopa até ao dia em que deixou de a poder chamar para sempre, 57 anos depois da primeira vez.
Esta arte não aprendi. Requeria demasiada destreza no manuseio dos instrumentos cirúrgicos necessários a operação tão delicada e, honestamente, nunca me achei capaz. Mas aprendi que o hábito e a vontade fazem com que se volte a ver aos 80 anos como não se via aos 60, que os dedos retorcidos pelas artroses podem continuar ágeis se souberem que só eles farão o trabalho, que as costas arqueadas doem menos se se trabalhar por amor.
A minha avó nunca perdeu grande tempo com lições de economia e finanças, de bons modos ou educação comigo. Ainda hoje consigo ouvi-la contar algumas histórias que repetiu vezes sem conta à lareira e de que eu já conhecia pormenores que hoje seriam novos outra vez. E essas, porque estavam nos seus gestos diários, essas sim me mostraram como ela, sem saber ler ou escrever, era uma grande mulher. E hoje, de cada vez que descasco uma batata, lembro-me que faria melhor se a cascasse. E quando descubro que o consegui sem uma dedicação consciente a tal, sinto-me contente. Qualquer que seja... a batata!
Um abraço.

A minha avó nunca perdeu grande tempo com lições de economia e finanças, de bons modos ou educação comigo. Ainda hoje consigo ouvi-la contar algumas histórias que repetiu vezes sem conta à lareira e de que eu já conhecia pormenores que hoje seriam novos outra vez. E essas, porque estavam nos seus gestos diários, essas sim me mostraram como ela, sem saber ler ou escrever, era uma grande mulher. E hoje, de cada vez que descasco uma batata, lembro-me que faria melhor se a cascasse. E quando descubro que o consegui sem uma dedicação consciente a tal, sinto-me contente. Qualquer que seja... a batata!
Um abraço.