sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Ti António da Amélia


Então Ti António como vai isso?

Era assim que o saudava quando chegava à Roda Fundeira. Tinha por hábito ir vê-lo, a ele e à Ti Amélia. Não sei de quando ficou o hábito, mas era assim.

Cá bou indo....os anos já são muitos...

E eram. Como estão os nossos, como está o tempo, o gado, as terras. Antigamente é que era tudo semeado, verde, bonito. Seguimos para a Eira Nova, ou para o poço, ou para casa e ele fica. No terraço, a mandar cumprimentos ou um abraço, alegre por ter falado com alguém diferente.

Lembro-me de o ver tocar desde sempre. Às vezes só de o ouvir tocar no seu terraço. Às vezes nos dias em que era para haver festa e ninguém tinha combinado que havia baile com o Ti António. Vamos lá buscá-lo? E ele vinha. Depois de dizer que não, que já era tarde. Ou que já não conseguia. Ou outra coisa qualquer que a modéstia ou o orgulho lhe ditavam que tinha de dizer antes de aceitar tocar. Mas todos sabíamos que ele queria e que haveria baile nessa noite.

Uma vez, na passagem de ano, gravámos uma cassete (!!! uma relíquia) à porta dele. Estava uma noite calma e quente para Dezembro. E ele ficou feliz com uma maluqueira do Adelino. E eu fiquei feliz por estar num momento dos crescidos. Cantou a Lena e a Ti Amélia e eu achei que um dia ia saber aquelas modas. Ainda hoje não sei. Mas aprendi a dançá-las e fiz questão de o fazer sempre que possível com a minha mãe ou o Ernesto, o par que também as sabia.

Um dia havemos de conseguir colocar a aldeia toda a dançá-las. Ensinar toda a gente nova. Só pelo capricho de não se perderem com os nossos avós. Com os nossos pais. 

Um dia, o Corso Carnavalesco da Roda Fundeira passou-lhe à porta. A chuva tinha dado uma réstia para se orientar o gado e já no descanso ofereceu um copo aos mascarados. Fizeram-se brindes. E ele seguiu com o Corso a animar o resto do desfile que estava a começar. Cantou-se na Eira, na Fonte, na Munha. Esta fotografia é desse dia. Quando demos por isso, estava a cantar. Feliz! Um minezita aqui e além e uma quadra mal amanhada de alguém bastavam para que respondesse com rimas com história, daquelas que lembravam bailes antigos ou inventadas na hora. Continuou a cantar-se na Vale da Mego e parece que acabaram no Barroco. Mas as histórias deste ponto já são meias confusas...

Filhas, filho, genros e nora. Netos. Um gosto quando falava deles. Mas um aprendeu a tocar concertina e os olhos dele brilhavam quando o Ernesto tocava. E ensinou-lhe as canções. E ria-se dos pregos nas modas antigas. Mas de coração cheio por ter passado o seu saber. E por o neto ir ainda mais além.

Despediu-se de nós dia 30 de novembro de 2019. Teve homenagem em vida com uma foto sua no salão da Eira Nova, que o comoveu. Teve histórias giras como uma mini fresquinha que lhe apareceu no meio do Rabachinho  quando acabou de cortar um molho de mato numa tarde de Agosto. Responsável por muito namoro e casamento da Roda Fundeira e Relva da Mó à custa dos fados que tocava, modas intermináveis para quem queria era dançar o Fado Corrido ou o Vira ao Meio. Obrigada Ti António Fonseca!

Um abraço!

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